As muitas descobertas que as Feiras de Trocas proporcionam

As muitas descobertas que as Feiras de Trocas proporcionam

Por Raquel Fuzaro*

As Feiras de Trocas de Brinquedo foram propostas pelo Alana em 2012, como forma de reflexão sobre o consumo. Na época eu integrava um movimento de mães ativistas chamado Infância Livre de Consumismo, o MILC.

Quando meus filhos nasceram, o meu olhar sobre a forma que o mercado direciona sua comunicação às crianças mudou. Eu descobri que toda a minha concepção do que uma grávida, bebê, criança precisam não eram necessidades reais, mas concebidas por um mercado publicitário que pauta a forma como nós devemos nos comportar,  alimentar, vestir, ter e viver… Tudo que eu acreditava foi por terra. Passei boa parte da gravidez preparando o enxoval com uma lista de necessidades, do mobiliário, passando pela quantidade de roupas até utensílios e brinquedos para o bebê e a amamentação. Coisas que a gente só descobre quando a criança nasce e não usa e que fica mais evidente quando nasce o segundo filho.

Eu lembro de ir ao pediatra quando minha filha estava com 6 meses com uma lista de perguntas sobre o que ela passaria a comer e nessa lista estava achocolatado na mamadeira, danoninho, mingau de farináceos, utensílios pra criança comer a fruta sozinha sem o risco de engasgar… E foi nesse momento que nasceu a pessoa que sou hoje. Foi ali que eu percebi o quanto eu estava equivocada e o quanto minha filha precisava só de atenção, comida de verdade e espaço para brincar junto à natureza. Nessa trajetória de descobertas, eu fui percebendo a nefasta atuação da publicidade direcionada à criança e, nesse momento, nasceu a mãe ativista.

Como sou advogada e sempre fui atenta a pauta do Congresso, soube de uma audiência pública sobre publicidade infantil e lá fui eu encontrar Thaís Vinha, Ana Cláudia Bessa, Sílvia Schiros, as mães que integravam o Infância Livre de Consumismo.

Passei então a articular as ações do movimento em Brasília, cidade que moro desde 2007. Em 2012, com o chamado do Alana propondo Feiras de Trocas de Brinquedos, como forma de reflexão do consumismo no mês do Dia das Crianças, época em que a publicidade direcionada à criança intensifica seu apelo, eu organizei a minha 1°Feira de Troca de Brinquedos de Brasília.

Quando estava pensando na organização da Feira, a primeira coisa que eu pensei foi no lugar.  Queria que fosse num espaço onde as famílias pudessem curtir aquele momento em família e que essa vivência fosse marcante, uma nova experiência de diversão entre crianças, amigos e comunidade. Não poderia ter escolhido lugar melhor! O Jardim Botânico de Brasília é um lugar maravilhoso, tranquilo, em meio ao cerrado, com trilhas, vegetação nativa, um lugar especial e, na época, pouco explorado pelas famílias de Brasília.

A proposta foi de um piquenique em família, em que levariam os brinquedos que as crianças não curtissem mais. O chamado era: chame seus familiares, amigos, vizinhos, cole cartazes na sua escola, e venha curtir uma manhã de muita diversão no espaço mais incrível do cerrado, o Jardim Botânico de Brasília. E assim foi. Contei com o apoio de pessoas que, assim como eu, acreditam no resgate do brincar livre em família. Tivemos contadoras de histórias: Juliana Maria e a escritora Alessandra Roscoe, arte para crianças, bolhas gigantes com Carolina Nogueira, frutas, sucos, pão de queijo e muita troca de brinquedos e de descobertas. O público superou o esperado! Ao meio dia, horário que encerrava a nossa Feira de Trocas, havia uma fila de carros de mais de 1Km para entrar no Jardim Botânico! A entrada já não era possível, pois não havia espaço para estacionar. As famílias resolveram entrar a pé com suas cestas de piquenique e sacolas de brinquedos para trocar. Detalhe: da entrada até o local da Feira, as pessoas precisam caminhar 1 km. Foi, realmente, uma experiência incrível! Jamais vou esquecer aquela cena. Centenas de pessoas espalhadas pelo gramado com suas toalhas, comidinhas, brinquedos, tudo isso em harmonia… Crianças e famílias descobrindo a troca e adorando essa descoberta. Toda a imprensa de Brasília esteve presente e registrou esse momento mágico. A partir dessa experiência, o Jardim Botânico de Brasília passou a receber um grande volume de público e ser referência de lugar para ir com as crianças.

A Feira de Trocas de Brinquedos de Brasília foi um marco.

Posso dizer que, apesar de já existir feiras de troca na cidade, a 1° Feira de Troca de Brinquedos de Brasília trouxe um novo conceito. A experiência de estarem junto à natureza com outras famílias, crianças interagindo com as outras, descobrindo uma nova forma de se relacionar através da troca, pais, tios e avós vendo a alegria de seus pequenos com o boneco “novo” que ele conseguiu sozinho… São tantas experiências e aprendizados que até hoje a Feira de Troca de Brinquedos de Brasília conta com um público gigantesco. De lá pra cá já foram mais de dez!

Adultos vêem seus pequenos muito mais preparados para o desapego, sem se importarem com valores monetários, mas com a vontade de brincar, brincar e compoartilhar. Algumas crianças nem queriam trocar seu brinquedo pelo que o novo amigo tinha, mas fazia a troca porque o brincar com o novo amigo fazia ele “abrir mão” e não se importar em trocar por algo que não queria tanto, até porque as trocas continuam e ele poderia trocar algo que não gostou com outra criança.

A Feira de Troca de Brasília foi pensada em oferecer uma vivência prazerosa para famílias e crianças. A proposta era que a vivência da Feira de Trocas fosse o despertar de consciências. Eu acredito que a prática da troca e da maneira como a feira acontece, favorece a vontade das pessoas “desapegarem” do modelo de consumo mercadológico imposto.

A partir dessa experiência eu descobri o poder de uma proposta alinhada com o desejo da sociedade.

O sucesso de público das nossas Feiras em Brasília me fez ver que a gente é capaz de mudar o mundo com pequenas ações. Eu “proporcionei” – porque coloquei em prática – o que todos tinham vontade de viver, mas não havia essa proposta pra que as pessoas pudessem aderir.

Então, se você tem um monte de coisa em casa que não usa mais, manda mensagem no grupo de amigos, família, vizinhança, e bora organizar um lanche, piquenique, sarau e trocar tudo! Para organizar uma Feira de Trocas de Brinquedos basta vontade. Se precisar de um roteiro e material para divulgação, acesse o site do projeto. As trocas acontecem de forma orgânica, você só precisa acompanhar as crianças nessa descoberta para que elas fiquem felizes com suas trocas. Mas nada de orientar a troca pelo valor monetário do brinquedo, hein?

Deixo aqui o relato de alguém que descobriu que a vida pode ser leve e mais prazerosa se a gente conseguir desapegar do que nos impõem como modelo de consumo. Focar nas relações pessoais, no contato com a natureza e no que nos faz bem é o caminho para muitas descobertas.

*Raquel Fuzaro é advogada, ativista dos direitos das crianças, mãe de Júlia Fuzaro (9) e Luiz Felipe Fuzaro (8). De São Paulo, atualmente mora em Brasília. Organiza Feiras de Trocas de Brinquedos desde 2012.